Análise completa: A mulher da casa abandonada pelo viés do Direito.
Nesta matéria especial, eu realizo uma análise dos episódios 1-5 do podcast “A mulher da casa abandonada” pelo ponto de vista do Direito.
Descritivo e texto legal
Ilustrando a capa da matéria “A mulher da casa abandonada pelo viés do Direito”, temos a foto de um celular em primeiro plano e ao fundo, desfocado, a mansão que ficou famosa devido ao podcast da Folha de S.Paulo. No celular vemos um aplicativo de música tocando "A Mulher da Casa Abandonada". A montagem também apresenta um texto contendo o nome dessa matéria.
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A mulher da casa abandonada pelo viés do Direito
Se você tem acesso à internet, às redes sociais e não esteve morando em uma caverna pelas últimas semanas, certamente deve ter ouvido falar do podcast chamado “A Mulher da Casa Abandonada”.
Mas caso não saiba do que estou falando, você está no lugar certo para entender por que esse podcast se tornou viral e descobrir, de uma vez por todas, quem é a tal mulher da casa abandonada.
⚠️ ATENÇÃO: ESSA MATÉRIA CONTÉM SPOILER!
Sumário
1 A mulher da casa abandonada – Podcast
Tempo estimado de leitura: 45 minutos
A mulher da casa abandonada – Podcast
Produzido pelo jornalista Chico Felitti e pela Folha de S. Paulo, o podcast investigativo traz a história de uma misteriosa moradora de um casarão em Higienópolis, um dos bairros mais nobres de São Paulo.
“…as penas mínimas de roubo e venda de substâncias ilegais são menores do que a pena mínima do crime de redução à condição análoga à de escravo….”
Ela, que se apresenta como Mari, é na verdade, Margarida Bonetti, uma foragida do FBI por um crime que cometeu nos Estados Unidos, ao lado do marido, entre os anos de 1970 e 2000.
Resumo dos episódios
Antes de abordarmos o caso pelo ponto de vista do Direito, leia um resumo dos 5 episódios lançados até o momento e entenda melhor o contexto.
Para conhecer a história da mulher da casa abandonada na íntegra, você pode ouvir o podcast nas principais plataformas de áudio, como Spotify, Apple Podcasts e Deezer.
2.1. A Mulher
O primeiro episódio do podcast nos apresenta a mulher da casa abandonada, uma senhora peculiar que diz se chamar Mari e está tentando impedir que agentes da prefeitura podem uma árvore.
A situação aconteceu em dezembro de 2021, onde a mulher tentava mobilizar seus vizinhos contra os funcionários da prefeitura enquanto se baseava em teorias da conspiração.
2.2. A Casa
No segundo episódio, algumas pessoas compartilham histórias sobre o casarão do bairro e sobre a mulher da casa abandonada, herdeira que cresceu na mesma mansão.
Também ficamos sabendo que Margarida se mudou com o marido para os Estados Unidos na década de 1970 e levou outra mulher com eles. A mulher em questão seria vítima do casal de crimes que duraram mais de 20 anos.
2.3. Uma Rua em Silêncio
Foi em uma casa da pacata cidade de Gaithersburg, nos Estados Unidos, onde os crimes da mulher da casa abandonada realmente aconteceram.
Por duas décadas, a mulher que eles levaram para servir como empregada doméstica trabalhou de maneira análoga à escravidão, foi agredida a sapatadas, puxões de cabelo e com água quente. Ela não podia comer a comida da casa e, sem tratamentos, desenvolveu um tumor do tamanho de uma bola de futebol.
A vítima só conseguiu ajuda graças a uma vizinha que interveio, descobriu sua história e chamou a polícia.
2.4. Uma Mulher e um Homem Livres
No quarto episódio, é narrado como a mulher da casa abandonada fugiu da justiça norte-americana e se refugiou na mansão em Higienópolis. Enquanto seu marido, Renê Bonetti, foi condenado e cumpriu pena nos Estados Unidos.
Embora tenha sido cúmplice das atrocidades cometidas pela esposa, hoje Renê é um homem livre e possui um cargo de alto nível em uma empresa americana.
Análise jurídica do caso
Agora que sabemos que a mulher da casa abandonada forçou sua empregada a um trabalho semelhante à escravidão e a causou maus tratos, resta a dúvida se, com o caso vindo à tona, ela ainda pode sofrer algum tipo de punição depois de tanto tempo.
O primeiro ponto a se considerar é que o crime que ocorreu nos Estados Unidos terminou em 1998 quando a empregada conseguiu fugir.
O artigo 149 do Código Penal configura como crime a conduta de “reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”
O mesmo artigo também considera a pena máxima de 8 anos pelo crime e sua prescrição em 12 anos, ou seja, o crime cometido pela mulher da casa abandonada já prescreveu desde 2010.
Por outro lado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que esse tipo de crime não deve prescrever desde que seja constatada uma situação de grave violação de direitos humanos. Porém, essa decisão não se sustenta por si só nem possui respaldo convencional.
O segundo ponto que devemos analisar é que o Brasil não extradita brasileiros natos, portanto, como brasileira nata, a mulher da casa abandonada não pode ser entregue aos Estados Unidos para ser julgada.
Além disso, o fato de o crime estar prescrito pela legislação brasileira acarreta mais um empecilho em relação à extradição. Segundo o art. 82, VI, da Lei de Migração, não será concedida a extradição quando “a punibilidade estiver extinta pela prescrição, segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente”.
Isso nos leva ao terceiro ponto, que discute a possibilidade da transferência da execução da pena. Com base no art. 100 da Lei de Migração, poderia ser possível que a execução da pena da mulher da casa abandonada condenada nos EUA fosse transferida para o Brasil.
Contudo, a questão da prescrição novamente apresentaria um problema, devido a falta de clareza nessa situação.
Outro fator de debate é que a Lei da Migração foi criada em 2017, ou seja, sua criação aconteceu depois do crime praticado. Isso gera outro obstáculo devido ao princípio da irretroatividade da lei penal.
Esse princípio considera que uma lei não pode retroagir para prejudicar o réu.
Outras considerações
O crime compensa?
Uma pessoa que for condenada por crime de redução a condição análoga à de escravo pode ser condenada a uma pena de 2 a 8 anos.
Em comparação, a pena para um crime de roubo mediante ameaça é de 4 a 10 anos; e a de venda de 100g de droga é de 5 a 15 anos.
Podemos constatar que as penas mínimas de roubo e venda de substâncias ilegais são menores do que a pena mínima do crime de redução à condição análoga à de escravo. Sendo assim, o Código Penal é menos punitivo com pessoas que cometem crimes como o da mulher da casa abandonada.
Nos Estados Unidos, Renê Bonetti, marido de Margarida, cumpriu pena de 6 anos e meio pelo crime.
A mulher da casa abandonada sabia que estava cometendo crimes?
Com todo o foco da mídia voltado para o caso, algumas questões relatadas por pessoas que conhecem ou conheceram a mulher da casa abandonada levantaram uma dúvida pertinente: Será possível que Margarida é alguém que sofre de transtornos mentais?
Segundo profissionais da área da saúde, alguns comportamentos de Margarida podem ser indícios de transtornos mentais, como seu isolamento do mundo, suas teorias de que há um complô para o corte de árvores e até as agressões cometidas contra a empregada.
Esses indícios podem sugerir que a mulher da casa abandonada é uma pessoa que não consegue responder pelos próprios atos e de que passa por sofrimento psíquico.
Atualmente a polícia civil investiga se houve abandono de incapaz por parte da família de Margarida e já intimou seu filho e sua irmã para prestarem depoimento.
A importância do caso
O caso da mulher da casa abandonada trouxe luz a um problema muito grave no Brasil: a escravidão contemporânea.
Esse tipo de crime segue acontecendo devido ao racismo estrutural enraizado em nossa sociedade e à grande diferença entre as classes.
Mais de 57 mil pessoas foram resgatadas de trabalhos análogos à escravidão desde 1995.
Denuncie
Você pode ajudar para que casos como o da vítima da mulher da casa abandonada não aconteçam mais através de denúncias.
Como denunciar trabalho análogo à escravidão:
Disque Direitos Humanos, através do número 100
Sistema Ipê
Aplicativo MPT Pardal, do Ministério Público do Trabalho
Curiosidades sobre o caso “A Mulher da Casa Abandonada”
A Mulher da Casa Abandonada: como estão os personagens desta história?
– Margarida Bonetti (Mari)
Margarida Bonetti, a protagonista insólita dessa reportagem, esconde o rosto por baixo de uma espessa camada de pomada branca e ainda está em uma lista de procurados do FBI pelo crime de manter a empregada como escrava nos EUA.
Filha de um médico renomado e membro de uma das famílias mais tradicionais de São Paulo, Margarida Bonetti, chamada de Mari, conseguiu fugir para o Brasil, que não expatria cidadãos brasileiros para julgamento em outros países, e, por isso, nunca foi julgada.
Quando chegou na mansão de Higienópolis, ela ainda conviveu com a mãe até 2011, quando morreu. Foi a partir daí que a casa começou a deteriorar sem a manutenção devida.
Com o sucesso do podcast, ela abandonou a casa em data incerta e não foi mais vista.
– Renê Bonetti
O engenheiro eletrônico Renê Bonetti não conseguiu escapar dos Estados Unidos, deixado à própria sorte por Mari assim que a notícia se espalhou.
Ele foi julgado e condenado a 6 anos e meio de prisão, além de multa de US $100 mil e outros US $110 mil para compensar os salários da vítima.
Após cumprir pena, continuou nos EUA. Hoje, Renê é diretor na Northrop Grumman Corporation, uma multinacional norte-americana que atua no ramo aeroespacial e de defesa. Fundada em 1994, a empresa presta serviço à Nasa e é a quinta maior do mundo no setor de defesa.
– A empregada escravizada
Quando Margarida e Renê se casaram, eles “ganharam” de presente uma empregada doméstica. Antes, ela trabalhava para os pais de Mari.
A mulher, que não teve a identidade revelada, foi levada pelo casal aos Estados Unidos no final da década de 1970, quando eles se mudaram para o país.
Sem receber pelos serviços, trabalhando das 6h às 22h e sem direito a folga e férias, a empregada ainda era vítima de violência verbal, psicológica e física.
Em um episódio, Mari jogou uma panela de sopa quente no rosto da mulher, que teve fraturas nos ossos. Mesmo ferida, a empregada não pode ir ao hospital e ficou sem qualquer atendimento médico.
Quem descobriu o caso e fez a denúncia às autoridades foi uma vizinha, Vicky Schneider. Ela ajudou a empregada a fugir durante uma viagem de férias dos Bonetti e a escondeu por dois anos em uma igreja enquanto o FBI investigava o crime.
Apesar de ter o paradeiro preservado, segundo Vicky revelou ao jornalista Chico Felitti, ela vive bem e legalmente nos EUA.
A Mulher da Casa Abandonada: como está a mansão após o podcast viralizar
Com o sucesso do podcast, que está na lista dos mais ouvidos e compartilhados do Spotify, pessoas estão diariamente indo visitar a famosa casa abandonada.
O movimento de curiosos, jornalistas, influencers e policiais é comum de dia e até mesmo durante as madrugadas.
A Mulher da Casa Abandonada: fotos do interior da mansão
Os registros são parte de um processo de 2011, que tem mais de 2 mil páginas relacionadas à herança que Margarida teria direito de receber do pai.
As imagens mostram o interior da residência extremamente bagunçado, sujo, com cômodos repletos de livros e quadros, sacolas, jóias e pertences da família, além da própria Margarida sem a pomada no rosto.
A Mulher da Casa Abandonada: fotos de Margarida Bonetti
A equipe do Cidade Alerta, da Record TV, conseguiu uma foto de Margarida Bonetti mais jovem (especula-se que com 10 anos de idade) e sem o creme no rosto.
Na reportagem,um zelador do prédio vizinho à mansão abandonada, que já viu Margarida sem o creme no rosto, analisou a foto e disse que a pessoa da imagem parece muito com a mulher.
Entretanto, como foram poucas vezes que ele viu a mulher sem a máscara branca, fica difícil afirmar com total certeza se a foto é mesmo dela. Apesar disso, ele confirma que os traços da jovem na foto são muito parecidos com o de Margarida.
A Mulher da Casa Abandonada: paradeiro de Margarida Bonetti
A mulher, que manteve sua empregada doméstica em situação análoga à escravidão nos EUA, saiu de sua residência e deixou com o público um mistério a ser resolvido: as respostas sobre o seu paradeiro. Entre as teorias, especula-se que Margarida possa ter recebido a ajuda externa ou até mesmo ter encontrado um esconderijo inusitado em um dos 20 cômodos do casarão.
A Mulher da Casa Abandonada: como está a saúde dos cães resgatados
Pessoas ligadas ao Instituto Luisa Mell, entraram na residência pulando o muro e resgataram dois cães encontradas em estado calamitoso no local, em meio a fezes, urina e lixo. Mortícia, uma das cadelas, estava bastante ferida. O caso foi registrado no 4º Distrito Policial (DP), na Consolação, como crime de abuso a animais.
Mortícia e Wandinha, cães do caso “A Mulher da Casa Abandonada” que foram resgatados pelo Instituto Luisa Mell, seguem em recuperação, estão estáveis, mas ainda enfrentarão um intenso período de tratamento até tudo ficar bem, uma vez que estão várias doenças decorrentes do sobrepeso.
Espero que a matéria tenha te ajudado a entender melhor o caso através do ponto de vista jurídico.
O que você achou desse caso? Já conhecia a história da mulher da casa abandonada? Fala para mim nos comentários.
